terça-feira, 12 de julho de 2011

Fé nas palavras de esperança, resistência e fé proferidas por Jesus

A palavra de Deus, no evangelho deste domingo, chama-se palavra de Jesus, também apresentada na imagem da semente e da terra no conhecido ensinamento de Jesus: a parábola do semeador. Quem já não ouviu, na catequese ou nas homilias, a história de um semeador que saiu a semear? Sementes caíram em quatro lugares diferentes: à beira do caminho, em solo pedregoso, entre espinhos e, por fim, em terra boa, a qual contrasta com os demais. O recurso literário “3 elementos + 1” é usado na poesia hebraica para ressaltar o último, no caso, a terra boa. O que isso significa?

A comunidade de Mt 13,1-23 usa também os recursos narrativos parábola e alegoria. Parábola, tradução do substantivo hebraico maxal, significa provérbio, comparação. O grego traduziu maxal por parabolé. A parábola tem a força moral de ensinamento. Jesus, ao falar em parábola, insere-se na mais pura tradição judaica. A parábola fala do cotidiano das pessoas, transformando-o e chamando a atenção para uma problemática, deixando o ouvinte pensativo. Não por menos, os discípulos questionam Jesus pelo fato de ele falar-lhes em parábolas (v. 10-16).

A alegoria é o fruto da reflexão que a comunidade produz, tendo em vista o objetivo de encontrar uma solução para os seus problemas, normalmente apresentados em uma parábola. O sentido original de um texto pode ser transformado totalmente na alegoria, o que não constitui um problema para a comunidade. O evangelho de hoje nos apresenta uma parábola e uma alegoria. As alegorias foram usadas em grande escala pelas primeiras comunidades e, na sequência, pelos pais e mães da Igreja. Santo Agostinho alegorizou a parábola do bom samaritano (Lc 10,29-37) na perspectiva da história da Igreja do seguinte modo: homem caído, Adão; Jerusalém, céu; Jericó, terra; samaritano, sacerdotes da Igreja Católica; hotel, Igreja Católica; hospedeiro, papa; duas moedas, sacramentos do batismo e da confirmação. Vejamos, agora, três modos possíveis de compreender a parábola do semeador.

a) Parábola do semeador e sua explicação alegórica segundo o evangelho da comunidade de Mateus. Havia certo desânimo entre os cristãos. Se a promessa do reino feita por Jesus era iminente, como explicar os fracassos e conflitos que os assolavam? Era em torno dos anos 70 da Era Comum. Décadas já haviam passado após a morte de Jesus. Roma havia invadido Jerusalém e destruído o Templo. Os judeus estavam sem referência política e religiosa. A comunidade que escreveu o evangelho de hoje era formada por judeus convertidos à fé cristã. A resposta, atualizada de forma alegórica e posta na boca de Jesus, parece lógica: os cristãos deviam voltar a atenção para o interno da comunidade, para o terreno não da semente, mas de seus corações, e se perguntar sobre o modo como estavam sendo coerentes com a proposta do reino. A parábola ressalta, assim, as dificuldades já previstas por Jesus: superficialidade, simbolizada na semente lançada à beira do caminho; perseguições políticas, representadas na terra pedregosa; deixar-se seduzir pela riqueza e pelas estruturas políticas e econômicas, a semente lançada entre espinhos. Na outra ponta da linha está o exemplo de cristão-terra boa, aquele que compreende a proposta da palavra do reino pregada por Jesus, produz frutos e não desanima nunca.

b) Parábola do semeador, sem a explicação alegórica, da comunidade de Tomé. No evangelho apócrifo de Tomé, dito 9, encontramos a parábola do semeador sem a sua alegoria, como no caso de Mateus e Marcos. Esse fato é importante, pois provavelmente Jesus estaria se colocando como contrário ao império romano. A comunidade de Mateus é que, lembrando as palavras de Jesus, busca um conforto espiritual. A parábola do semeador em Tomé pode ser datada antes dos evangelhos, no ano 50 d.C. Muitos camponeses estavam perdendo suas terras férteis, no norte do país – Galileia –, para os apadrinhados políticos do império romano. A comunidade estava preocupada com a expropriação da terra. Muitos se tornavam sem terra e foram obrigados a sair de suas terras e peregrinar em direção às cidades, mais especificamente a Jerusalém, a capital. A comunidade de Tomé procurou, com a parábola do semeador, recordar as palavras fortes de Jesus contra essa situação social inaceitável. Sem querer alegorizar, mas alegorizando, podemos fazer a interpretação de que, nesse caso, o semeador é o sem-terra à beira do caminho, caminhando em direção a Jerusalém; os passarinhos são os romanos oportunistas que comem sem plantar, isto é, recebem de graça a terra fértil da Galileia; os espinhos simbolizam a luta do camponês para sobreviver; semear é o protesto do camponês por não haver terra disponível para plantar; a terra pedregosa é Jerusalém, cidade onde vivem os opressores; a terra boa é o sinal evidente de que “temos terra para plantar”, mas elas nos foram roubadas. A terra é um dom de Deus e não pode ser tirada do povo eleito. O Jesus histórico de Tomé ensina o camponês a resistir contra os falsos donos da terra e denuncia: “Mesmo que estejamos em tempos difíceis, tem semente que brota e produz cem por um! Resistir deve ser a nossa bandeira de luta” (cf. Faria, 2003, p. 108).

c) A parábola do semeador na perspectiva judaica do “Shemá” Israel. Em Dt 6,4-9, encontramos a clássica profissão de fé do povo judeu: “Escuta, ó Israel: o Senhor é nosso Deus, o Senhor é um. Portanto, amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua força”. Escutar é compreender. Um é o Deus de Israel. Amar é pôr-se no serviço e na missão de santificação, é a tarefa diária de todo judeu. Coração é razão e sentimentos integrados, é o pensar e sentir. Alma é o ser de cada judeu, sua dignidade e a de seu irmão. Força, em hebraico me’od, tem a conotação de posses, dinheiro, poder aquisitivo, e não vigor. Vários textos dos evangelhos releem a ação e a pregação de Jesus à luz do Shemá Israel. Observe como o três aparece em vários momentos. Pedro nega Jesus três vezes. Judas Iscariotes aparece três vezes nos evangelhos etc. Na parábola do semeador, o simples fato de enumerar três coisas já nos remete ao Shemá. O ouvinte, certamente, terá compreendido que Jesus pedia o cumprimento da Torá expresso pelo Shemá. As dimensões do Shemá aparecem no texto do seguinte modo: coração – aqueles que estão à beira do caminho. Quem é superficial não coloca paixão naquilo que faz. A semente semeada será comida pelos pássaros. Quem está à beira do caminho ouve a Palavra e não a entende, vem o maligno e arrebata o que foi semeado no seu coração (v. 19). Alma – aqueles semeiam entre pedregulhos. O amor à Palavra pode exigir até o martírio. Quem tem medo da perseguição não está preparado. Morrer por causa do Reino é conferir dignidade à Palavra semeada. Quem não tem profundidade no seu modo de ser ouve a Palavra, mas, diante da perseguição, logo sucumbe (v. 21). Força (posses) – aqueles que semeiam entre espinhos. Semear entre espinhos significa ter apego aos bens materiais. Quem assim age é sufocado pelo dinheiro. E a Palavra ouvida deixa de dar frutos de vida e esperança. A sedução da riqueza sufoca a Palavra e ela se torna infrutífera (v. 22). Todos ouvem a Palavra, mas nem todos dão fruto em plenitude. Quem produz cem por um ama a Deus de coração, alma e força. Quem produz sessenta por um ama a Deus com o coração e com todas as forças, mas não é capaz de sacrificar a sua alma pelo reino. Quem produz trinta por um ama a Deus somente com o coração. Por outro lado, amar a Deus é amá-lo com minha limitação, naquilo que me é possível. Nisso também está o desafio (cf. Faria, 2001, p. 52-65). [Frei Jacir de Freitas Faria, ofm, Vida Pastoral nº 278 ©Paulus 2011]

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