terça-feira, 12 de julho de 2011


A palavra

"Têm boca e não falam" (Si 113 B, 5). Esta sátira dos "ídolos mudos" acentua, por contraste, um dos traços mais característicos do Deus vivo. Ele fala aos homens. Revela-se não só na linguagem silenciosa da natureza e dos sinais das criaturas; "fala" por suas intervenções históricas de salvação e misericórdia, de apelo e castigo. Fala no Antigo Testamento, através dos profetas, seus mediadores privilegiados e seus porta-vozes. Fala-lhes em sonhos e visões (Nm 16.6); revela-se nas inspirações pessoais (2Rs 3,15); a Moisés fala "face a face" (Nm 12,8).

Palavra que é experiência de vida

No Antigo Testamento, a palavra de Deus é, antes de tudo, um fato, uma experiência: Deus fala diretamente a homens privilegiados e por meio deles a todo o seu povo. A centralidade da palavra de Deus no Antigo Testamento prepara o fato do Novo Testamento, que vem transtornar o mundo, onde esta palavra - o Verbo - se toma carne. As leituras de hoje nos convidam a aprofundar o tema da palavra. Na história da Igreja, as épocas de "aggiornamento" sempre acarretaram uma revalorização da escuta e do confronto com a palavra de Deus. É o que está acontecendo hoje. Prova-o o fervor de obras provocadas pelo Concílio, e o confirma a reforma litúrgica que se esforça por restituir à celebração da palavra o lugar que lhe compete. Hoje ainda, como no tempo de Jesus, é a palavra que convoca e reúne a Igreja, em torno do Pai, e é no aprofundamento da palavra que os cristãos tomam consciência de ser família de Deus, seu novo povo de homens salvos. É também a atitude perante a palavra (indiferença, recusa, desprezo, acolhimento), que define a nossa posição no Reino de Deus (evangelho).

Indiferença e não escuta da palavra

À atitude de não-escuta ou de rejeição da palavra de Deus no tempo de Jesus, corresponde em nossos dias a de indiferença e incompreensão por parte do homem moderno. As vezes, os pastores, os pregadores e missionários de hoje dão a impressão deestar falando uma língua estrangeira. Os próprios cristãos têm a sensação de que há uma espécie de dissociação entre sua vida de cada dia e a palavra que lhes é anunciada na assembleia eucarística; esta lhes parece demasiado ligada a outros tempos, estática e sem impacto sobre a vida real. Será a palavra de Deus que está sendo questionada? Ou será o mundo e o homem moderno que ainda não conseguiram sintonizar essa palavra?

No decorrer dos séculos do cristianismo, a teologia da palavra pôs a tônica quase exclusivamente na proclamação da palavra. A palavra era objeto de uma pregação: um "dado" que deve ser fielmente entregue, transmitido como um depósito precioso. A vida do cristão, sua experiência cotidiana só era vista como um terreno em que a palavra era posta em prática. A experiência, a vida, a existência concreta não eram vistas como "falando", nem como reveladoras de novos aspectos e significados da ­palavra. Deus só falava quando a palavra era proclamada, quando as Escrituras eram lidas e comentadas.

O acontecimento como palavra

De algum tempo para cá vem se verificando mudança na consideração e na compreensão da palavra de Deus. Descobre-se que o Deus da fé fala antes de tudo no acontecimento, isto é, através da história, da vida vivida pelo povo de Deus, empenhado na aventura única dos homens. Na práxis pastoral, e sobretudo na catequese, a experiência do homem é assumida cada vez mais completamente, não só como instrumento didático ou como suporte psicológico, mas realmente como o lugar privilegiado onde a palavra de Deus se manifesta em toda a sua riqueza e força. Uma catequese entendida como Deus que fala e o homem que escuta, é gradualmente substituída por uma catequese mais encarnada nas situações, mais atenta aos problemas do homem, isto é, mais "antropológica", que poderemos exprimir do seguinte modo: O homem interroga e Deus responde. Dá-se total inversão de perspectivas, em favor de compreensão mais profunda da palavra de Deus. A mensagem deve iluminar a existência. A experiência não é posta a serviço da mensagem para ilustrá-la, mas, antes, a mensagem é utilizada para conferir à existência toda a significação que tem na fé. Só assim a palavra é verdadeiramente anunciada, porque só assim incide profundamente na experiência do homem de hoje. [MISSAL DOMINICAL ©Paulus, 1995]

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