domingo, 8 de maio de 2011


Beatificação de Francisco e Jacinta Marto - Homilia da Missa da Beatificação e Nota da CEP


VIAGEM APOSTÓLICA A FÁTIMA

HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II
NA CERIMÓNIA DE BEATIFICAÇÃO
DOS VENERÁVEIS FRANCISCO E JACINTA

13 de Maio de 2000

1. Eu Te bendigo, ó Pai, (...) porque escondeste estas verdades aos sábios e inteligentes, e as revelaste aos pequeninos» (Mt 11, 25).

Com estas palavras, amados irmãos e irmãs, Jesus louva os desígnios do Pai celeste; sabe que ninguém pode vir ter com Ele, se não for atraído pelo Pai (cf. Jo 6, 44), por isso louva por este desígnio e abraça-o filialmente: «Sim, Pai, Eu Te bendigo, porque assim foi do teu agrado» (Mt 11, 26). Quiseste abrir o Reino aos pequeninos.

Por desígnio divino, veio do Céu a esta terra, à procura dos pequeninos privilegiados do Pai, «uma Mulher revestida com o Sol» (Ap 12, 1). Fala-lhes com voz e coração de mãe: convida-os a oferecerem-se como vítimas de reparação, oferecendo-Se Ela para os conduzir, seguros, até Deus. Foi então que das suas mãos maternas saiu uma luz que os penetrou intimamente, sentindo-se imersos em Deus como quando uma pessoa - explicam eles - se contempla num espelho.

Mais tarde, Francisco, um dos três privilegiados, exclamava: «Nós estávamos a arder naquela luz que é Deus e não nos queimávamos. Como é Deus? Não se pode dizer. Isto sim que a gente não pode dizer». Deus: uma luz que arde, mas não queima. A mesma sensação teve Moisés, quando viu Deus na sarça ardente; lá ouviu Deus falar, preocupado com a escravidão do seu povo e decidido a libertá-lo por meio dele: «Eu estarei contigo» (cf. Ex 3, 2-12). Quantos acolhem esta presença tornam-se morada e, consequentemente, «sarça ardente» do Altíssimo.

2. Ao beato Francisco, o que mais o impressionava e absorvia era Deus naquela luz imensa que penetrara no íntimo dos três. Só a ele, porém, Deus Se dera a conhecer «tão triste», como ele dizia. Certa noite, seu pai ouviu-o soluçar e perguntou-lhe porque chorava; o filho respondeu: «Pensava em Jesus que está tão triste por causa dos pecados que se cometem contra Ele». Vive movido pelo único desejo - tão expressivo do modo de pensar das crianças - de «consolar e dar alegria a Jesus».

Na sua vida, dá-se uma transformação que poderíamos chamar radical; uma transformação certamente não comum em crianças da sua idade. Entrega-se a uma vida espiritual intensa, que se traduz em oração assídua e fervorosa, chegando a uma verdadeira forma de união mística com o Senhor. Isto mesmo leva-o a uma progressiva purificação do espírito, através da renúncia aos próprios gostos e até às brincadeiras inocentes de criança.

Suportou os grandes sofrimentos da doença que o levou à morte, sem nunca se lamentar. Tudo lhe parecia pouco para consolar Jesus; morreu com um sorriso nos lábios. Grande era, no pequeno Francisco, o desejo de reparar as ofensas dos pecadores, esforçando-se por ser bom e oferecendo sacrifícios e oração. E Jacinta sua irmã, quase dois anos mais nova que ele, vivia animada pelos mesmos sentimentos.

3. «E apareceu no Céu outro sinal: um enorme Dragão» (Ap 12, 3).

Estas palavras da primeira leitura da Missa fazem-nos pensar na grande luta que se trava entre o bem e o mal, podendo-se constatar como o homem, pondo Deus de lado, não consegue chegar à felicidade, antes acaba por destruir-se a si próprio.

Quantas vítimas ao longo do último século do segundo milénio! Vêm à memória os horrores da primeira e segunda Grande Guerra e doutras mais em tantas partes do mundo, os campos de concentração e extermínio, os gulags, as limpezas étnicas e as perseguições, o terrorismo, os raptos de pessoas, a droga, os atentados contra os nascituros e a família.

A mensagem de Fátima é um apelo à conversão, alertando a humanidade para não fazer o jogo do «dragão» que, com a «cauda, arrastou um terço das estrelas do Céu e lançou-as sobre a terra» (Ap 12, 4). A meta última do homem é o Céu, sua verdadeira casa onde o Pai celeste, no seu amor misericordioso, por todos espera.

Deus não quer que ninguém se perca; por isso, há dois mil anos, mandou à terra o seu Filho «procurar e salvar o que estava perdido» (Lc 19, 10). E Ele salvou-nos com a sua morte na cruz; que ninguém torne vã aquela Cruz! Jesus morreu e ressuscitou para ser «o primogénito de muitos irmãos» (Rom 8, 29).

Na sua solicitude materna, a Santíssima Virgem veio aqui, a Fátima, pedir aos homens para «não ofenderem mais a Deus Nosso Senhor, que já está muito ofendido». É a dor de mãe que A faz falar; está em jogo a sorte de seus filhos. Por isso, dizia aos pastorinhos: «Rezai, rezai muito e fazei sacrifícios pelos pecadores, que vão muitas almas para o inferno por não haver quem se sacrifique e peça por elas».

4. A pequena Jacinta sentiu e viveu como própria esta aflição de Nossa Senhora, oferecendo-se heroicamente como vítima pelos pecadores. Um dia - já ela e Francisco tinham contraído a doença que os obrigava a estarem pela cama - a Virgem Maria veio visitá-los a casa, como conta a pequenita: «Nossa Senhora veio-nos ver e diz que vem buscar o Francisco muito breve para o Céu. E a mim perguntou-me se queria ainda converter mais pecadores. Disse-lhe que sim». E, ao aproximar-se o momento da partida do Francisco, Jacinta recomenda-lhe: «Dá muitas saudades minhas a Nosso Senhor e a Nossa Senhora e diz-lhes que sofro tudo quanto Eles quiserem para converter os pecadores». Jacinta ficara tão impressionada com a visão do inferno durante a aparição de 13 [treze] de Julho, que nenhuma mortificação e penitência era demais para salvar os pecadores.

Bem podia ela exclamar com São Paulo: «Alegro-me de sofrer por vós e completo em mim própria o que falta às tribulações de Cristo, em benefício do seu Corpo, que é a Igreja» (Col 1, 24). No domingo passado, junto ao Coliseu de Roma, fizemos a comemoração de tantas testemunhas da fé do século XX [vinte], recordando as tribulações por elas sofridas, através de significativos testemunhos que nos deixaram. Uma nuvem incalculável de testemunhas corajosas da fé legou-nos uma herança preciosa, que deve permanecer viva no terceiro milénio. Aqui em Fátima, onde foram vaticinados estes tempos de tribulação pedindo Nossa Senhora oração e penitência para abreviá-los, quero hoje dar graças ao Céu pela força do testemunho que se manifestou em todas aquelas vidas. E desejo uma vez mais celebrar a bondade do Senhor para comigo, quando, duramente atingido naquele dia 13 [treze] de Maio de 1981 [mil novecentos e oitenta e um], fui salvo da morte. Exprimo a minha gratidão também à beata Jacinta pelos sacrifícios e orações oferecidas pelo Santo Padre, que ela tinha visto em grande sofrimento.

5. «Eu Te bendigo, ó Pai, porque revelaste estas verdades aos pequeninos». O louvor de Jesus toma hoje a forma solene da beatificação dos pastorinhos Francisco e Jacinta. A Igreja quer, com este rito, colocar sobre o candelabro estas duas candeias que Deus acendeu para alumiar a humanidade nas suas horas sombrias e inquietas. Brilhem elas sobre o caminho desta multidão imensa de peregrinos e quantos mais nos acompanham pela rádio e televisão. Sejam uma luz amiga a iluminar Portugal inteiro e, de modo especial, esta diocese de Leiria-Fátima.

Agradeço ao Senhor Dom Serafim, Bispo desta ilustre Igreja particular, as suas palavras de boas vindas, e com grande alegria saúdo todo o Episcopado português e suas dioceses que muito amo e exorto a imitar os seus Santos. Uma saudação fraterna aos Cardeais e Bispos presentes, com menção particular para os Pastores da Comunidade de Países de Língua Portuguesa: a Virgem Maria alcance a reconciliação do povo angolano; conforte os sinistrados de Moçambique; vele pelos passos de Timor Lorosae, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe; e preserve na unidade da fé os seus filhos e filhas do Brasil.

Saúdo com deferência o Senhor Primeiro Ministro e demais Autoridades que quiseram participar nesta Celebração, aproveitando este momento para, na sua pessoa, exprimir o meu reconhecimento a todos pela sua colaboração que tornou possível esta minha peregrinação. Um abraço cordial e uma bênção particular à paróquia e cidade de Fátima que hoje se alegra pelos seus filhos elevados às honras dos altares.

6. A minha última palavra é para as crianças: Queridos meninos e meninas, vejo muitos de vós vestidos como Francisco e Jacinta. Fica-vos muito bem! Mas, logo ou amanhã, já deixais essa roupa e... acabam-se os pastorinhos. Não haviam de acabar, pois não?! É que Nossa Senhora precisa muito de vós todos, para consolar Jesus, triste com as asneiras que se fazem; precisa das vossas orações e sacrifícios pelos pecadores.

Pedi aos vossos pais e educadores que vos metam na «escola» de Nossa Senhora, para que Ela vos ensine a ser como os pastorinhos, que procuravam fazer tudo o que lhes pedia. Digo-vos que «se avança mais em pouco tempo de submissão e dependência de Maria, que durante anos inteiros de iniciativas pessoais, apoiados apenas em si mesmos» (S. Luís de Montfort, Tratado da verdadeira devoção à SS.ma Virgem, nº 155). Foi assim que os pastorinhos se tornaram santos depressa. Uma mulher que acolhera a Jacinta em Lisboa, ao ouvir conselhos tão bons e acertados que a pequenita dava, perguntou quem lhos ensinava. «Foi Nossa Senhora» - respondeu. Entregando-se com total generosidade à direcção de tão boa Mestra, Jacinta e Francisco subiram em pouco tempo aos cumes da perfeição.

7. «Eu Te bendigo, ó Pai, porque escondeste estas verdades aos sábios e inteligentes, e as revelaste aos pequeninos».

Eu Te bendigo, ó Pai, por todos os teus pequeninos, a começar da Virgem Maria, tua humilde Serva, até aos pastorinhos Francisco e Jacinta.

Que a mensagem das suas vidas permaneça sempre viva para iluminar o caminho da humanidade!

Papa João Paulo II

13 de Maio de 2000

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NOTA DA CONFÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA

Por ocasião da preparação da terceira viagem do Papa João Paulo II a Fátima, para beatificar Francisco e Jacinta Marto, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) publicou a seguinte Nota Pastoral, com data de 25 de Março de 2000:


A beatificação dos Pastorinhos de Fátima Francisco e Jacinta Marto

1. A beatificação dos Pastorinhos Francisco e Jacinta Marto, que ocorrerá no dia 13 de Maio de 2000, em Fátima, é para todos nós, bispos e demais fiéis da Igreja em Portugal, motivo de grande alegria e de louvor a Deus.
É uma grande honra para todos os portugueses termos mais uma vez no Santuário de Fátima o Papa João Paulo II.

Este acontecimento vem enriquecer as nossas celebrações do Jubileu do ano 2000, que, no dizer do Santo Padre João Paulo II, “pretende ser uma grande oração de louvor e agradecimento sobretudo pelo dom da Encarnação do Filho de Deus e da Redenção por Ele operada”1. Entre os motivos jubilares para a Igreja dar graças a Deus, o Santo Padre coloca os “frutos de santidade, amadurecidos na vida de tantos homens e mulheres”. Adultos e Crianças!

O reconhecimento da santidade das duas crianças de Fátima há-de levar-nos a glorificar a Deus e a viver com mais empenho a fé cristã. Os dois Pastorinhos enriqueceram o tesouro espiritual da Igreja, do qual todos beneficiamos.

Ousamos convidar todos os portugueses a considerarem, com interesse, a vida e o testemunho dos pequenos Francisco e Jacinta Marto. O caminho que percorreram, a fé que demonstraram e o amor com que viveram, sobretudo depois das Aparições, não pode deixar de nos interpelar fortemente. Em tempos adversos à prática da fé, a sua vida testemunha o Mistério e a força dele emanada. O que neles e por eles se manifesta deixa-nos maravilhados: a força de Deus transforma a fragilidade humana, levando-a a ultrapassar-se a si mesma.

Em 1992, a propósito dos 75 anos das aparições de Fátima, escrevemos uma Carta sobre “Fátima na Missão da Igreja” e apontávamos os Pastorinhos como um sinal2. Neste momento queremos pôr em relevo o significado da beatificação dos Pastorinhos Francisco e Jacinta Marto.


A vida e experiência cristã dos Pastorinhos

2. A Congregação das Causas dos Santos resume assim a biografia dos videntes de Fátima: “Os veneráveis servos de Deus Francisco e Jacinta Marto nasceram em Aljustrel, aldeia da paróquia de Fátima, na diocese de Leiria-Fátima. Francisco nasceu no dia 11 de Junho de 1908 e sua irmã Jacinta no dia 11 de Março de 1910. Na sua humilde família, aprenderam a conhecer e a louvar a Deus e à Virgem Maria. No ano de 1917, enquanto pastoreavam o rebanho, juntamente com a prima, Lúcia dos Santos, tiveram a graça singular de ver várias vezes a Santíssima Mãe de Deus, na Cova da Iria. Desde então, os servos de Deus não tiveram outro desejo a não ser fazer em tudo a vontade de Deus e contribuir para a salvação das almas e para a paz no mundo, pela oração e penitência. Em pouco tempo alcançaram uma extraordinária perfeição cristã. Francisco adormeceu no Senhor no dia 4 de Abril de 1919 e Jacinta no dia 20 de Fevereiro de 1920”3.


A vidente Lúcia dos Santos, nas suas Memórias4, relata e testemunha como, após as aparições, os seus primos, Francisco e Jacinta, procuram viver segundo os dons que receberam de Deus. Muito mais do que antes, a vida deles centra-se em Deus, de uma forma extraordinária. O seu primeiro objectivo passa a ser amar a Deus e agradar-lhe em tudo. Por isso dedicam longo tempo à oração e aceitam sacrifícios e sofrimentos, que oferecem pelos pecadores. A força divina e o encanto por Deus e por Nossa Senhora são tais que, mesmo perante as ameaças de morte, demonstram fortaleza extraordinária, continuando a afirmar e a defender as aparições que presenciaram. O amor pelos pecadores, os doentes e os pobres era permanente e exprimia-se em atitudes e iniciativas: a oração, a oferta de alimentos, visitas e palavras de consolação e mesmo conselhos.

Impressiona o modo como as duas crianças vivem a doença que as atinge e como encaram a morte, que antecipadamente sabem vir em breve. O Francisco despede-se da Lúcia dizendo-lhe: “Adeus, até ao Céu!...” (Memórias, 148). E a Jacinta, já muito doente, consola a mãe com estas palavras: “Não se aflija, minha Mãe: vou para o Céu. Lá hei-de pedir muito por si“ (Memórias, 46).

A Lúcia testemunha que, junto da prima, sentia “o que, de ordinário, se sente junto duma pessoa santa que em tudo parece comunicar Deus”. E acrescenta: “A Jacinta tinha um porte sempre sério, modesto e amável, que parecia traduzir a presença de Deus em todos os seus actos, próprio de pessoas já avançadas em idade e de grande virtude” (Memórias, 183).

A vida destas duas crianças testemunha de forma convincente como a graça divina pode transformar as pessoas, mesmo crianças, exercendo nelas o seu poder e comunicando a bondade. O que ao ser humano parece impossível não o é a Deus.


A mensagem das Aparições


3. Seja nas aparições do Anjo, seja nas da Virgem Maria, a mensagem e a experiência da presença amorosa de Deus são inseparáveis. Os videntes são envolvidos pela luz divina que lhes é comunicada por aquela Senhora. E eles mesmos se vêem em Deus, como relata a Lúcia sobre o que lhes aconteceu no dia 13 de Maio: “Foi ao pronunciar estas últimas palavras (‘a graça de Deus será o vosso conforto’) que abriu pela primeira vez as mãos, comunicando-nos uma luz tão intensa, ... fazendo--nos ver a nós mesmos em Deus” (Memórias, 158).

É a luz divina que grava nos corações das crianças a mensagem que recebem. Assim o entende o Francisco, que, perante o interesse das pessoas, comenta para a prima: “Esta gente fica tão contente só por a gente lhe dizer que Nossa Senhora mandou rezar o terço e que aprendesses a ler! O que seria, se soubessem o que Ela nos mostrou em Deus, no Seu Imaculado Coração, nessa luz tão grande!” (Memórias, 127).

Da Mensagem das aparições faz parte integrante a experiência divina que viveram as crianças. O elemento central é um apelo à mudança de vida, à conversão, seguindo os caminhos de Deus. Nas palavras de Maria, manifesta-se o rosto misericordioso de Deus, que quer a salvação de todos.

Deus confia às crianças uma missão em favor dos homens: interceder diante de Deus pelos pecadores e implorar a paz para o mundo. Lúcia continua no mundo para dar a conhecer Maria e incentivar a devoção ao seu Coração Imaculado.

A Mensagem inclui ainda o anúncio da paz para o mundo. O Anjo intitula-se da paz e convida a não ter medo (cfr. Memórias, 152). Nossa Senhora anuncia a possibilidade e os meios para obter o bem da paz para os homens. Um dos meios, porventura o mais potente, é a oração, alimento indispensável da vida cristã.

A Igreja não pode ficar alheia a Fátima. Assim declarou o Santo Padre, na sua peregrinação ao Santuário em 1982: “o conteúdo do apelo de Nossa Senhora de Fátima está tão profundamente radicado no Evangelho e em toda a Tradição que a Igreja se sente interpelada por essa Mensagem”5.


O significado da beatificação


4. A beatificação destas duas crianças traz uma confirmação, por parte da Igreja, da credibilidade das aparições de Fátima. Se, como diz Jesus, pelos frutos se conhece a árvore (cfr Mt 12, 33), a santidade dos pastorinhos, reconhecida e declarada pela Igreja, atesta que Deus interveio fortemente nas suas vidas e eles se empenharam a viver de forma mais autêntica a fé cristã.

Dado que se trata de crianças, esta beatificação vem reconhecer que também elas podem viver heroicamente as virtudes cristãs e constituir exemplo para os membros da Igreja. E mais, também elas podem desempenhar tarefas na Igreja. É o próprio Santo Padre que o afirma: “Como no Evangelho Jesus deposita particular confiança nas crianças, assim também a sua Mãe, Maria, não deixou de reservar aos pequenos, ao longo da história, o seu carinho materno. Pensai em Santa Bernardette de Lourdes, nas crianças de La Salette e, em nosso século, nos pastorinhos de Fátima (...). É bem verdade: Jesus e a sua Mãe escolhem frequentemente crianças afim de lhes confiar tarefas grandes para a vida da Igreja e da humanidade. (...) O Redentor da humanidade parece partilhar com elas a solicitude pelos outros”6.

Os fiéis hoje, crianças, jovens e adultos, podem encontrar no Francisco e na Jacinta Marto exemplos admiráveis de vida de fé integral, responsável e heróica7 que serão estímulo a uma vida cristã melhor. Com a beatificação, a Igreja “propõe à imitação, à veneração e à invocação dos fiéis homens e mulheres que sobressaíram pelo fulgor da caridade e de outras virtudes evangélicas”8. É o caso do Francisco e da Jacinta. Estas crianças tornam-se intercessoras.

A capacidade e o poder de intercessão junto de Deus são reconhecidos pela Igreja às crianças já em vida. Na verdade, assim escreve o Papa João Paulo II “Que poder enorme tem a oração das crianças! Ela torna-se modelo para os próprios adultos: rezar com confiança simples e total, quer dizer rezar como sabem rezar as crianças. (...) É à vossa oração, queridos amigos, – escreve o Santo Padre às crianças – que desejo confiar os problemas da vossa família e de todas as famílias do mundo”9. Se um tal reconhecimento se faz às crianças em vida, quanto mais não podemos esperar da intercessão de crianças a quem a Igreja declara santas!


Apelos deste acontecimento para a Igreja em Portugal


5. A beatificação dos dois pastorinhos de Fátima constitui, como já se disse, um dom para a Igreja, que motiva nela o louvor e a acção de graças. Mas este acontecimento é também um sinal divino portador de alguns apelos que requerem o empenho de todo o Povo de Deus, a começar por nós, bispos.

O primeiro apelo é que, à semelhança dos videntes, reconheçamos e aceitemos as Aparições e a Mensagem da Virgem Maria em Fátima como um estímulo à vivência mais intensa da fé, da esperança e da caridade cristãs, que se radicam no nosso baptismo.

O segundo apelo é o reconhecimento de que as crianças são modelo para os mais novos e para os adultos. Diz o Santo Padre: “Porventura não apresenta Jesus a criança como modelo também para os adultos? Na criança, há algo que nunca poderá faltar em quem deseja entrar no Reino dos Céus”10.

A missão dos Pastorinhos vem lembrar-nos que também as crianças têm a sua tarefa a desempenhar na Igreja e na sociedade. Isto é tanto mais importante quanto, nos dias de hoje, a criança foi valorizada na afectividade com que é tratada, nos cuidados e atenções, nos direitos que se lhes reconhecem, nas possibilidades educativas que se lhes oferecem. “Deve reconhecer-se, exorta o Santo Padre João Paulo II, que também à idade da infância e da adolescência se abrem preciosas possibilidades operativas, tanto para a edificação da Igreja, como para a humanização da sociedade”11.

A beatificação vem lembrar aos membros da Igreja que a santidade é vocação comum a todos e nota característica do Povo de Deus. Por isso, é importante acolher o estímulo que este acontecimento nos vem dar no sentido de cada um se empenhar na santificação da própria vida, na abertura e cooperação com o Espírito que actua em todos os fiéis.

O exemplo dos novos beatos há-de levar-nos a viver o amor à Igreja e a solidariedade activa para com todos os homens. A comunhão eclesial manifestar-se-á constantemente no sentido de unidade, de partilha, de participação na vida e na celebração comunitária, na colaboração com os outros, na obediência aos pastores e ao sentir eclesial. A caridade para com os homens empenhará cada fiel e cada comunidade cristã na abertura e no dar a mão aos mais necessitados.

Fátima e os Pastorinhos são porta-vozes do convite materno de Maria ao acolhimento, ao amor gratuito, à confiança, à pureza de vida e de coração e à entrega de si mesmo a Deus e aos outros, em atitude de solidariedade e de fé inquebrantável.

Esta beatificação lembra-nos ainda a vocação última da Igreja e a comunhão dos santos. E aviva em nós o desejo de nos prepararmos, durante a caminhada temporal, para esse encontro de vida sem ocaso.


6. A terminar esta Nota, desejamos formular o convite à participação nas celebrações da beatificação dos Pastorinhos, em Fátima, e na pastoral dos mais novos, que também são chamados à santidade e ao apostolado.

Em cada comunidade, os responsáveis pastorais tomem as iniciativas que acharem oportunas para darem a conhecer os novos beatos e promoverem a imitação das suas virtudes. A adoração e a contemplação devem figurar entre as actividades a promover, já que nelas se distinguiram os dois Pastorinhos.

Admirando o testemunho de Francisco e Jacinta, empenhemo-nos em seguir Cristo com mais fidelidade.

À “Senhora da Mensagem”, que comunicou aos videntes de Fátima os apelos divinos, confiamos todos os fiéis, a quem dirigimos esta Nota Pastoral. Para todos invocamos a intercessão de Maria Santíssima e dos beatos Francisco e Jacinta Marto.


Conferência Episcopal Portuguesa

Lisboa, 25 de Março de 2000

Notas:
1 JOÃO PAULO II, Carta Apostólica Tertio Millennio Adveniente (TMA), n° 32.

2 CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA, Fátima na Missão da Igreja. Carta Pastoral no 75° aniver-sário das Aparições, Fátima, 30 de Abril de 1992, n° 26.

3 O Decreto tem a data de 28 de Junho de 1999 e é assinado pelo Prefeito da Congregação das Causas dos Santos, D. José Saraiva Martins.

4 Cfr Memórias da Irmã Lúcia, Fátima 19906. Daqui em diante, a obra será indicada no texto com o nome Memórias, seguida do número da página.

5 JOÃO PAULO II, Homilia em Fátima, 13 de Maio de 1982, n° 10; “Discursos do Papa João Paulo II em Portugal”, edição da Conferência Episcopal Portuguesa, Lisboa 1982, p.74.

6 JOÃO PAULO II, Carta do Papa às Crianças no Ano da Família (13 de Dezembro de l994), Secretariado Geral do Episcopado, p. 28-29. Cfr JOÃO PAULO II, Exortação apostólica Christifideles Laici sobre a vocação e missão dos leigos na Igreja e no Mundo (ChL), n° 47.

7 Cfr CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA, Fátima na Missão da Igreja, n° 10.

8 JOÃO PAULO II, Constituição Apostólica Divinus Perfectionis Magister, “L’Osservatore Romano”, edição em português, (1983), p. 116.

9 JOÃO PAULO II, Carta às Crianças, p. 29.

10 Ibidem, p. 22. Cfr ChL, 47.

11 ChL, n.º 47.

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