terça-feira, 2 de março de 2010

O absurdo destino dos embriões congelados

Entrevista com o professor de direito Brian Scarnecchia

ROMA - João Paulo II pediu aos técnicos da fertilidade que deixassem de criá-los. Donum Vitae, publicada em 1997 pela Congregação para a Doutrina da Fé, falou do “absurdo destino” ao qual haviam sido condenados. O programa Baby Snowflake, lançado em 1997, facilitou sua adoção ou “resgate”.

Hoje, existem ao redor de 400.000 embriões humanos criados através da fertilização in vitro, com suas vidas suspensas em recipientes de nitrogênio líquido, aos que o falecido presidente da Pontifícia Academia para a Vida, doutor Jerôme Lejeune, chamava de “latas de concentração”.

Dado que o pedido da Igreja Católica de não criar este dilema bioética foi desatendido por muitas companhias biofarmacêuticas, o Vaticano se vê agora obrigado a fazer um juízo moral sobre centenas de milhares de vidas congeladas.

Brian Scarnecchia, presidente do International Solidarity and Human Rights Institute e professor de Direito da Ave Maria Law School, proferiu recentemente uma conferência sobre este cada vez mais complexo assunto, no Conselho Pontifício “Justiça e Paz”.

O professor explicou as complexas questões morais implicadas no debate sobre o destino dos embriões congelados.

–Como chegou a ser convidado a falar sobre embriões congelados no Vaticano?

–Scarnecchia: Estive aqui no Fórum de Roma, num congresso de organizações não governamentais católicas, patrocinado pela Secretaria de Estado do Vaticano e vários dicastérios. Eles tinham previsto um plano de estudos que incluía conferências sobre economia, desenvolvimento, direitos humanos e bioética. Eu ia apresentar duas conferências para o Fórum de Roma sobre os direitos humanos fundamentais.

A secretária do Fórum de Roma, a doutora Fermina Alvarez, pediu-me que apresentasse uma conferência no Conselho Pontifício “Justiça e Paz”, no Palácio São Calixto, e também convidou a participar diferentes pessoas que trabalham com Congregações e Pontifícios Conselhos do Vaticano reunidas nesse palácio. Assim, quando me dei conta que estaria falando principalmente a pessoas que já trabalham com a Santa Sé, quis investigar e obter informação sobre um tema no qual há questões doutrinais ainda em consideração.

–Está tudo ainda sujeito a debate, dado que a questão ainda não foi fechada pela Congregação para a Doutrina da Fé?

–Scarnecchia: Não, certamente não – desde o momento em que a Donum Vitae foi apresentada em 1987, condenou-se o congelamento de embriões humanos, condenou-se a fertilização in vitro, e a maternidade sub-rogada foi declarada ilícita e condenada. Pode-se pensar que aquilo teria resolvido o problema, mas, naturalmente, não se abordavam todas as questões.

Por exemplo, a Donum Vitae dirigia-se principalmente à chegada de um ser humano através de uma concepção que não foi o fruto de um ato de amor conjugal entre um esposo e uma esposa, mas que se produziu in vitro, isto é, em uma placa de Petri de vidro. Esse procedimento foi claramente condenado, como também o congelamento de embriões “extra” ou “sobrantes”.

No entanto, criaram-se milhares de embriões congelados, e a pergunta que parte de muitas pessoas bem intencionadas é se uma mulher, diferente da mãe, pode levar um embrião congelado transplantado em seu seio sem se converter em uma mãe sub-rogada.

Alguns especialistas em bioética fiéis ao Magistério, e que não são dissidentes em absoluto, que estavam preocupados com o destino destes embriões congelados, argumentaram que o resgate ou a adoção de um embrião congelado não é maternidade sub-rogada. Uma sub-rogação, segundo este argumento, seria o caso de alguém que, por amor ou por dinheiro, toma um embrião em seu ventre com a intenção de dá-lo a outro – “estou fazendo por minha irmã, estou fazendo por minha filha, eu faço por 20.000 dólares”. Uma mulher não se converte em mãe substituta, argumentaram, se ela não tinha a intenção de dar o filho depois do nascimento, mas de adotá-lo.

Este enfoque foi criticado porque implicaria o colapso dos motivos no ato moral. Bioéticos críticos com a adoção de embriões se opuseram e disseram que mais importante que a motivação pessoal é o ato moral, que eles entendem que é o ato de ficar grávida de uma criança de outra pessoa.

Estes especialistas em bioética argumentaram que se a transferência de um embrião congelado no ventre de uma mulher era sub-rogação em si, seria intrinsecamente mau e não poderia fazer-se sob nenhum bom motivo, nem sequer para salvar a vida do embrião congelado.

–Houve alguma resolução sobre esse debate na Igreja?

–Scarnecchia: Bem, esse debate continuou durante 20 anos, entre 1987-2008. Então, a Congregação para a Doutrina da Fé publicou a Dignitas Personae. Em seu parágrafo 19, oferecia uma resolução deste debate. Minha fala voltava-se onde Dignitas Personae o havia deixado e sobre o que não completava ainda.

O parágrafo 19 diz que quem é geneticamente estranha ao embrião, quem através da transferência heteróloga de embriões fica grávida de uma criança que geneticamente não é sua, participa de ato similar à fecundação in vitro heteróloga e/ou aluguel de ventre, e portanto não era um ato lícito. Assim, não é lícito adotar um embrião para aumentar o tamanho de sua família.

Nos Estados Unidos, existe o Programa Baby Snowflake, promovido pelo National Right to Life, como uma alternativa à pesquisa destrutiva destes embriões. Certamente, este era um movimento bem intencionado. Nesse momento, entre a Donum Vitae e a Dignitas Personae, os católicos podiam, em boa consciência, depois de pesar ambos lados do debate, adotar um embrião congelado. Após a publicação de Dignitas Personae, esta não parece ser uma opção que um católico possa realizar de boa fé.

Alguns especialistas em bioética que se opuseram à transferência heteróloga de embriões disseram que seria equivalente a um adultério tecnológico, que o fato de uma mulher ficar grávida com o filho de outro casal violaria o bem unitivo do matrimônio.

–Que questões ficaram sem resolver nesses dois documentos?

–Scarnecchia: Certos casos de “resgate” altruísta de embriões congelados. No paráfrago 19, afirma-se que, apesar da nobre intenção de salvar sua vida, resgatar os embriões congelados não seria muito diferente da fecundação in vitro heteróloga (que combina os gametas dos cônjuges) e a sub-rogação.

Minha fala foi sobre a situação de uma mãe que se arrepende do pecado da fertilização in vitro e quer recuperar seus próprios embriões congelados. Quando me foi pedido que assessorasse sobre esta questão no caso legal Evans v. UK, pendente do Tribunal Europeu de Direitos Humanos desde 2006, minha resposta foi que a mãe genética poderia resgatar seus próprios embriões congelados, sem se converter em uma sub-rogação e, assim, os membros católicos do Parlamento Europeu poderiam advogar por este resultado, em boa fé. Não esqueçamos que já nos anos 90 o doutor Jerôme Lejeune testificou ante tribunal que a mãe genética tem o dever de adotar medidas razoáveis para salvar ser “filhos pequenos” congelados nas “latas de concentração”.

Creio que o princípio que sublinha a objeção da Donum Vitae contra a fertilização in vitro é o caráter relacional da pessoa humana e, em particular, o dom de si que os esposos se prometem e que têm o dever de cumprir. Esta entrega mútua dos pais tem três fases. Em primeiro lugar, a mútua entrega está concedida e garantida na fase genética, quando os cônjuges, com alegria e livremente, entregam-se um ao outro em um ato de intimidade conjugal, que continua através da concepção natural: toda criança tem direito de ser concebida junto ao coração de sua mãe, à raiz de um ato livre de mútua entrega dos cônjuges. A segunda fase da entrega dos pais produz-se entre a concepção e o nascimento. Pode ser denominada fase de gestação: toda criança tem direito de ser criada no seio de sua mãe. E a fase final é a da formação: cada criança, depois do nascimento, tem direito de ser criada por seus pais até seu amadurecimento.

Em meu livro de próxima publicação, Bioética, Direito e Pensamento Social Católico (Scarecrow Press, 2010), argumento que quando a mãe genética toma seu embrião congelado de novo em seu seio, através da transferência homóloga do embrião, esse ato afirma o direito da criança à paternidade gestacional junto ao coração de sua mãe. Por outro lado, se um estranho genético faz isso, a criança sofre uma segunda violação de seus direitos através da transferência heteróloga de embriões, que a Dignitas Personae deixa claro que é análoga à fecundação in vitro heteróloga e a sub-rogação.

Outros especialistas em bioética sustentam pelo contrário que se cada concepção deve ser o resultado de um ato conjugal entre marido e mulher, como a Donum Vitae afirma,

então cada gravidez também deve surgir de um ato de união conjugal entre os esposos. Portanto, se a mãe genética fica grávida através de atos técnicos, eles argumentam que esta transferência do embrião homóloga suporia uma segunda violação dos direitos do embrião, e que a mãe, paradoxalmente, converter-se-ia em uma mãe sub-rogada de seu próprio filho. Parece-me que se, por analogia, uma gravidez ectópica tubárica se poderia resolver com êxito transferindo o embrião de seu lugar de implantação nas trompas de Falópio de sua mãe ao útero de sua mãe, poucos objetariam que a criança sofreria violação de seus direitos se sua vida se salvasse através de uma gravidez uterina iniciada por terceiros através de um ato de transferência embrionária homóloga.

Isso, a licitude da transferência homóloga do embrião, segue aberto e constitui uma lacuna importante que a Congregação para a Doutrina da Fé tem de abordar e resolver de uma maneira ou outra.

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