sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O encontro de dois gênios, dois santos

No ano seguinte Tomás fez sua profissão religiosa e foi enviado a Paris. Nesse famoso centro universitário brilhava então, pelo seu saber, o dominicano Alberto de Bollstädt, que passou para a posteridade como Santo Alberto Magno. Era tal a afluência dos que iam ouvi-lo, que era necessário transportar sua cátedra para uma praça pública, hoje ainda conhecida como Place Maubert (da contração de Magni Alberti).

"O encontro de Tomás de Aquino com Alberto Magno representa um fato de extraordinária transcendência na história da cultura. Talvez mesmo se possa dizer que são os dois colaboradores necessários à elaboração do mais vasto e consistente sistema filosófico de todas as épocas" 4.

De Paris, o discípulo Tomás acompanha o mestre, que ia organizar um centro de estudos teológicos da Ordem em Colônia, na Alemanha.

S. Tomás e S. Boaventura

São Boaventura — o grande mestre e santo franciscano — e São Tomás receberam o doutorado no mesmo dia, na Universidade de Paris.


União entre o Rei santo e o Doutor santo

A fama de Santo Tomás tornou-se universal, e todos queriam ouvi-lo. São Luís IX — o Rei Cruzado — o consultava sobre todos os assuntos importantes. Certo dia em que o convidou para sua mesa, o frade estava muito silencioso. De repente, dando um murro na mesa, Tomás exclamou: "Encontrei um argumento concludente contra os maniqueus". O rei, temendo que Tomás pudesse esquecer-se do argumento, chamou depressa seu secretário para anotá-lo. "Edificante quadro medieval, bem demonstrativo da perfeita unidade que liga, nesse período nobilíssimo da História, os Reis e os Sábios, nos mesmos ideais da conquista da verdade e do serviço de Deus!" 9.

S. Tomás de Aquino e S. Francisco de Assis

Dada a popularidade de Francisco de Assis, melhor se pode ter uma idéia de Tomás de Aquino, fazendo-se uma comparação entre ambos.

Francisco de Assis era magro, de baixa estatura, vibrante, um corisco. Vivia atrás de seus pobres. Era um andarilho de Deus. Caminhava pelas estradas para ajudar os necessitados. Andava modestamente pelas ruas edificando a todos. Tomás de Aquino era corpulento, pesado como um touro. Gordo, vagaroso. Tranqüilo e quieto. Nada sociável, era tímido. Vivia meditando, refletindo.

Francisco de Assis era irrequieto e para muitos um tanto quanto maluco em suas privações. Tomás de Aquino era o homem da pontualidade, da regra, do método.

Francisco de Assis desprezou os estudos e nem queria que seus seguidores freqüentassem as universidades. Tomás de Aquino era o intelectual debruçado sobre os livros e sempre a escrever.

Francisco de Assis era um poeta ambulante, imerso na beleza das flores, do murmúrio dos rios, do cântico dos pássaros. Tomás de Aquino era um poeta-teólogo, acadêmico, compondo hinos litúrgicos profundos.

Francisco de Assis queria persuadir pela simplicidade das ações vistas pelos homens para arrastá-los a Deus. Tomás de Aquino desejava persuadir pelas palavras para levar milhares até o Criador.

Francisco de Assis pode ser comparado com um manso cordeirinho imerso na natureza. Tomás de Aquino, como foi relatado, foi comparado a um boi, cujos mugidos ecoaram pelos séculos afora.

Francisco de Assis era filho de um comerciante da classe média e não estava de acordo com a vida mercantil do pai, pois não amava a agitação do comércio. Seu desapego total às coisas do mundo não se adequava à busca de um lucro material. Tomás de Aquino era de família nobre e poderia ter todo o conforto que o mundo oferece, mas desprezou as glórias mundanas para se entregar inteiramente a seu mundo interior sem o apego a tudo que o luxo pode oferecer.

Ambos por caminhos diferentes e numa ótica diversa optaram pela pobreza evangélica.

Francisco de Assis o homem menos mundano que andou pelo mundo viveu neste mundo como um pobre caminhante. Tomás de Aquino procurava a solidão como alguém que não fosse deste mundo para andar pelos caminhos do espírito nas regiões de profundas questões intelectuais.

Francisco de Assis pode ser chamado o trovador de Deus, mas, por certo, não admitiria o Deus dos trovadores. Tomás de Aquino não reconciliou Cristo com Aristóteles, mas sim reconciliou Aristóteles com Cristo.

Francisco de Assis é o santo da ecologia. Tomás de Aquino é o santo da filosofia.

Francisco de Assis mortificava tanto o seu corpo que mereceu ter em si os estigmas, ou seja, as chagas de Cristo. Tomás de Aquino preferia filosofar sobre o corpo, ensinando que o homem não é um homem sem o corpo, tal como o não é sem a alma.

Francisco de Assis tornou-se um santo eminentemente popular. Tomás de Aquino um santo mais venerado pelos intelectuais.

Quer Francisco de Assis, quer Tomás de Aquino deixam ambos uma mensagem vibrante para este final de milênio: a felicidade não se encontra fora de cada um, mas lá no íntimo do ser racional. Ambos convidam para esta viagem que muitos não gostam de fazer: entrar no âmago da própria consciência. Lá se descobre Deus, para, em seguida, como fizeram os citados personagens, se abrir para o próximo, para a natureza, para as conquistas da inteligência.

Ambos mostram que há caminhos diversos para se atingir o objetivo último do homem nesta busca, nem sempre bem direcionada, da tranqüilidade, da ordem e da paz.

Este reencontro com tão ilustres e sábias figuras por certo move a um repensar frutuoso no sentido daquele auto-controle tão necessário seja a quem for.

Como mostra Francisco de Assis não é preciso se apartar do mundo e das maravilhas que Deus espalhou por toda parte. Cumpre curtir a vida.

Como ensina a vida de Tomás de Aquino não se pode afastar das conquistas do espírito, da inteligência. Tomás, certamente, se vivesse hoje, estaria enfronhado nos progressos humanos. Nas suas reflexões procuraria o sentido, o significado da ciência e da técnica tão avançadas de hoje. Deixou, porém, ele princípios valiosos para que os homens do século atual façam tal análise com pertinência e sabedoria.

Nenhum comentário:

Postar um comentário